O advogado e ex-juiz federal Márlon Reis, que teve a oportunidade de atuar no processo de julgamento do orçamento secreto no Supremo Tribunal Federal (STF), afirma de forma categórica que o mecanismo da chamada “emenda do relator” virou um grande escândalo nacional. “O orçamento secreto foi o maior escândalo de corrupção política, maior volume de dinheiro desviado para eleger pessoas atreladas ao governo [Jair Bolsonaro] que se tem notícia. Essa foi a maior chaga das eleições passadas”, denuncia.
O advogado também foi o autor do parecer que fundamentou a ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra a PEC que alterou a Constituição do Estado do Tocantins, permitindo a antecipação da eleição da mesa diretora da Assembleia Legislativa do biênio 2025/2027. Ele afirma que a medida tem interesses escusos e não republicanos. “A razão que levou à antecipação de uma votação em dois anos em relação ao tempo da efetiva posse certamente não foi republicana, porque não há razões, dentro da lógica republicana, para que isso tenha acontecido”, garante.
O advogado chama a atenção para o fato de que a Assembleia Legislativa do Tocantins tem um histórico de “docilidade” em relação ao governo e que, segundo ele, essa postura se explica pelo acúmulo de ofertas de benefícios pessoais e políticos do governo aos parlamentares do ciclo palaciano. “Nós temos números grandes de contratos, que é uma prática ilícita que já deveria ter terminado há muito tempo no Tocantins. E isso acaba servindo como uma das formas de dar prêmios aos deputados, como retribuição a sua docilidade com o governo”, explica o ex-juiz.
Nesta entrevista exclusiva ao Jornal Opção, o juiz da Ficha Limpa faz um balanço da lei que ajudou a elaborar no âmbito do movimento nacional de combate à corrupção. “O que acontece é que, além desse debate, a Lei da Ficha Limpa de fato introduziu medidas legais muito mais eficientes do que as que tínhamos antes”, defende Marlon Reis, que aponta fragilidade da oposição no Tocantins, em função do clientelismo presente na política local. O advogado garante que vai continuar na militância política, não necessariamente como candidato.
Márlon Reis, é tocantinense de Pedro Afonso, tem 53 anos e é advogado especialista em Direito Eleitoral e Partidário, com atuação nos tribunais superiores. É doutor em Sociologia Jurídica e Instituições Políticas pela Universidade de Zaragoza, na Espanha. Foi um dos idealizadores e redatores da Lei da Ficha Limpa, que impede a participação eleitoral de candidatos que tenham sofrido condenações criminais em âmbito colegiado. A lei, fruto de uma iniciativa popular, foi aprovada após a coleta de 1,6 milhões de assinaturas e a mobilização de outros milhões de brasileiros. A lei já barrou mais de 1,2 mil candidatos em todo o Brasil.
Em 2018 Márlon resolveu ingressar na política partidária. Se filiou à Rede Sustentabilidade e disputou a eleição suplementar para o governo do Tocantins, obtendo 56.952 votos, o que correspondeu a 9,91% dos votos válidos, ficando em 3º lugar. No mesmo ano, disputou a eleição ordinária, novamente terminando em 3º lugar, com 47.046 votos, o que representou 6,68% dos votos válidos. Em 2022, o juiz da Ficha Limpa voltou às urnas novamente, como candidato a deputado federal pelo PSB, tendo conquistado 4.474 votos.
As eleições obedecem a ciclos políticos e isso não foi respeitado
Sobre a votação antecipada do biênio 2025-2027 na Assembleia Legislativa do Tocantins (Aleto), o PSB entende que a mudança na Constituição estadual violou o princípio democrático da contemporaneidade das eleições. Juridicamente, o que isso quer dizer?
As eleições obedecem a ciclos periódicos. Aliás, a própria Constituição Federal fala que o voto, além de livre e secreto, é também periódico. Por “periódico”, se compreende um ciclo. Podem desrespeitar o período eleitoral ou deixar de realizar eleições de forma periódica de duas maneiras: deixando de realizá-las no tempo certo, procrastinando, prolongando esse tempo; ou então realizando-as antes do tempo adequado. E qual é o momento adequado? É o momento em que os eleitores, que no caso são os deputados que decidem quem compõe a mesa, avaliam o quadro político, medem suas forças internas, verificam as alianças possíveis para aquele momento no tempo da eleição e então realizam as eleições. Então, as eleições obedecem a ciclos políticos e isso não foi respeitado.
O partido suspeita de alguma intenção política. Seria colocar o filho do governador Wanderlei Barbosa (Republicanos), o deputado Leo Barbosa (Republicanos), na linha sucessória? Afinal, o que justifica uma alteração como esta?
A razão que levou à antecipação de uma votação em dois anos em relação ao tempo da efetiva posse, da efetiva investidura, certamente não foi republicana, porque não há razões, dentro da lógica republicana, para que isso tenha acontecido. Não nos cabe fazer uma avaliação efetiva do que se buscava nos bastidores das conversas parlamentares, mas certamente nós podemos saber que não prevaleceu o espirito republicano nesse movimento.
Independentemente do resultado, o questionamento expõe um fenômeno comum no Tocantins: a ausência de oposição na Assembleia Legislativa. Todos os deputados são aliados do governo. Isso pode contribuir para aberrações como essa?
Temos uma história de Assembleia dócil no Estado do Tocantins. Isso é, em grande parte, explicado pelo acúmulo de ofertas de possibilidades de benefícios pessoais e políticos por parte dos governos aos deputados. Nós temos números grandes de contratos, o que é uma prática ilícita que já deveria ter terminado há muito tempo no Tocantins. É algo que acaba servindo como uma das formas de dar prêmios para os deputados, como retribuição a sua docilidade com o governo.
Não é de hoje que vemos acenos autoritários por parte dos governos, com envio de matérias inconstitucionais que são aprovadas pelos deputados, a exemplo da terceirização do Jalapão e a Lei da Mordaça, o aumento de 25% para os servidores que foi concedido e depois outra lei para anular o benefício. Como o sr. avalia essa tendência?
Falta ao Tocantins uma efetiva oposição. Enquanto prevalecer essa lógica de cooptação do Parlamento pelo governo, nós teremos dificuldade de manter uma postura de análise crítica no debate profundo que deve ocorrer na Assembleia Legislativa, sobre todas as matérias encaminhadas pelo governo.
A Lei da Ficha Limpa produziu um debate muito consistente e profundo no Brasil
Que balanço que o sr. faz da Lei da Ficha Limpa? Ela contribuiu de alguma forma para chamar atenção para a moralização política?
Não há dúvida que a Lei da Ficha Limpa produziu um debate muito consistente e profundo no Brasil, sobre a necessidade da integridade na atividade pública. O que acontece é que, além desse debate, a Lei da Ficha Limpa de fato introduziu medidas legais muito mais eficientes do que as que tínhamos anteriormente. Antes da Ficha Limpa, a lei da inelegibilidade era uma simples pantomima; já a inovação advinda da iniciativa popular realmente mudou completamente o cenário da Justiça Eleitoral.
O sr. disputou três eleições, foi bem votado, mas não foi eleito. Qual o seu projeto para o futuro, na política?
Eu tenho uma relação com a política que é permanente, mas não necessariamente como candidato. Estou avaliando o meu futuro no campo político. Mas continuo trabalhando nele, seja como advogado, especialista na área eleitoral, onde tenho atuado com muita consistência e presença, seja também em grandes causas da sociedade, na luta por igualdade, especialmente no combate ao racismo e toda forma de discriminação.
Governo Wanderlei Barbosa é mais um calcado nas velhas práticas da política tocantinense
Que avaliação o sr. faz do governo de Wanderlei Barbosa?
O governo Wanderlei Barbosa é mais um calcado nas velhas práticas da política tocantinense. Lamentavelmente perde a oportunidade de romper os laços com o que ainda prende o Tocantins. Um Estado com tanto potencial e tantas possibilidades continua sob o domínio dessa política cartorial e patrimonialista, que faz com que permaneçam os vínculos de clientelismo que condenam à pobreza um dos Estados mais ricos e de maior potencial do Brasil.
O que o mais o chamou atenção na política partidária, sobretudo na última campanha eleitoral?
Foi o abuso do poder econômico provocado pelo orçamento secreto. Felizmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) o proibiu. Eu tive a honra, inclusive, de advogar nesse processo. Ocupei a tribuna do Supremo para falar contra o orçamento secreto e pude inclusive dar esse testemunho. Foi o maior escândalo de corrupção política, maior volume de dinheiro desviado para eleger pessoas atreladas ao governo que passou [de Jair Bolsonaro (PL)]. Essa foi a maior chaga das eleições passadas.
Veja outras notícias no tocantinsurgente.com