A riqueza cultural do povo Iny Karajá foi celebrada na Aldeia Santa Isabel do Morro, situada na Ilha do Bananal, onde ocorreu o ritual tradicional indígena Hetohoky, também chamado de Casa Grande. A festa representa a passagem da infância de meninos Karajá para a vida adulta; e neste ano, equipes do Governo do Tocantins participaram do evento, realizado entre os dias 17 e 19 deste mês.
Estiveram presentes a Secretaria de Estado dos Povos Originários e Tradicionais (Sepot), a Secretaria de Estado do Turismo (Setur), a Secretaria de Estado da Cultura e a Secretaria de Estado da Comunicação (Secom). A secretária de Estado dos Povos Originários e Tradicionais, Narubia Werreria, destacou a importância do momento histórico e do trabalho conjunto em prol de melhorias para as aldeias. “Estamos aqui para fazer um diagnóstico situacional, já trabalhando a transversalidade entre as secretarias. É basilar para o nosso trabalho nós termos um banco de dados com pesquisas e também com um material audiovisual e fotográfico, possibilitando que o nosso trabalho de valorização e fomento da cultura indígena para a criação de projetos possa ocorrer”, frisou.
O Hetohoky é realizado anualmente e conta com pinturas corporais; danças; cantos; chegada dos vizinhos da aldeia Fontoura; tradições milenares, como a construção da Casa Grande; e disputas esportivas entre a aldeia anfitriã e as aldeias visitantes.
Cada momento da festa contém um significado, desde as pinturas até as danças que são feitas para marcar a passagem dos meninos para a vida adulta, como explicou o cacique tradicional da aldeia Santa Isabel, Sokrowe Karajá. “A gente não quer esquecer a nossa cultura. A dança do Aruanã, por exemplo, quando as mulheres estão dançando, elas entregam um objeto ao menino, o que significa que ele está se despedindo da sua infância. As mulheres não podem entrar na casa do Hetohoky e é nosso segredo. Apenas os homens sabem e é muito sagrado para nós. Não pode filmar dentro da casa, não pode mostrar como está e nem contar”, afirmou.
A preparação é intensa. Os jovens que participam do ritual mantêm a concentração meses antes para a festa, fazendo jejuns e praticando lutas corporais para vencer das aldeias adversárias. Neste ano, o evento contou com a participação de dois meninos que transitam para a vida adulta, conhecidos na língua indígena como jyre.
Turismo na aldeia
Segundo uma das lideranças, Juamahu Iny Torin, aproximadamente 800 pessoas participaram da festa em 2023 e a aldeia Santa Isabel venceu a sua vizinha, a aldeia Fontoura, nas lutas corporais.
A valorização da festa também é sinalizada com a chegada de visitantes não indígenas, algo que é estudado pela própria comunidade: um local para receber turistas começou a ser estruturado, chamado Acampamento Hatanã.
De acordo com o diretor operacional do projeto, Rabuwenona Karajá, a ideia começou em agosto de 2022 e, em junho, o local será melhor trabalhado. “Eu tenho que dividir o trabalho com o esquadrão de guia, que monta uma estrutura em parceria com institutos turísticos. Eles têm um trabalho específico para nossas esculturas, como ceramistas e artesãs que mexem apenas com flechas. Mas, para fazer tudo isso, os turistas precisam de um guia que os explique a nossa cultura, assim como alguém que conheça a geografia da região”, explicou. Atualmente, o trabalho de acompanhar e receber pessoas não indígenas é realizado pelo diretor administrativo do projeto, Creheluri Manatituewi, que também cuida da contabilidade e do financeiro.
Nascido no Rio de Janeiro, o turista André Quintaes Dias, contou a sensação de ter participado do ritual, que ele mesmo registrou em vídeo. “Eu já tive a oportunidade de ir em outras aldeias, como a Yanomami no Amazonas e a Pataxó em Porto Seguro e é muito legal estar aqui para ver como é a cultura de perto. Além disso, essa aldeia em especial aqui tem uma história muito forte, pois o nosso ex-presidente JK teve um contato muito grande com os indígenas dessa região. Para mim, conhecer aqui também é conhecer um pouco da história do Brasil e estar aqui é algo único”, afirmou André, que achou interessante as danças e as pinturas no momento da festa.
Saúde indígena representada
Hioló Karajá é o primeiro médico indígena da Ilha do Bananal. Ele contou como foi o processo de vencer batalhas e reviver tradições como o Hetohoky. “Eu cresci aqui e poder atuar nas proximidades é uma honra muito grande. Fiquei muito tempo fora, e tenho retomado e incentivado a valorização da nossa cultura. Saí com 12 anos de idade da aldeia e foi um grande desafio, pois faço parte da primeira geração de médicos indígenas do Brasil. Por isso, tínhamos poucas referências para nos espelhar; tive que buscar os caminhos, construir, conversar com pessoas e buscar informações de todas as formas”, contou Hioló, que atualmente é médico na cidade de Luciara, Mato Grosso.
A médica do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Araguaia no Polo de São Félix do Araguaia, Catarina Mathias Di Guimarães, se formou há três anos e atua há um mês como clínica geral na região. Ela destacou os esforços que devem ser feitos para melhorar a saúde da comunidade. “O povo Karajá é muito receptivo e muito aberto aos toris [na língua portuguesa, os brancos.] Além disso, sempre querem cuidar de sua própria saúde, principalmente as mulheres”.
Com uma cultura matriarcal, o povo Iny Karajá passa por desafios diários, principalmente na saúde feminina, já que muitas vezes as mulheres se sentem reprimidas e com vergonha de relatar o que sentem. “Também vemos que a saúde indígena está um pouco atrasada em relação à tecnologia: os prontuários ainda são de papel, se perdendo muito, algo que torna um desafio no registro dos pacientes para cuidado a longo prazo. Apesar desses desafios, é extremamente gratificante trabalhar com um povo tão acolhedor e amoroso”, completou a médica.
Cultura valorizada
O artesanato indígena do povo Karajá desperta interesse mundo afora e serve como fonte de renda para as artesãs que produzem. Os trabalhos manuais envolvem principalmente cerâmica, cestarias, artefatos de madeira e com penas, fibras de buriti, coco e cera de abelha. Um dos mais conhecidos artesanatos é o da boneca Ritxòkò, tombada como patrimônio imaterial do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2012.
Michelina Silwela Karajá gosta de confeccionar brincos com penas e palhas. Ela leva de um a dois dias para finalizar peças grandes; e em um dia faz quatro a cinco peças pequenas. “Às vezes, vendo aqui mesmo dentro da aldeia, quando chegam algumas pessoas de fora; e outras vendas eu faço por encomenda. Os tipos de brincos que faço são de pena, sementes, bastante palha de buriti e linhas de algodão. Sempre tenho pedidos para fora da aldeia que são feitos pelas redes sociais como Facebook e WhatsApp”.
Conforme a secretária Narubia Werreria, o Tocantins tem um grande potencial cultural. “Nós temos um povo que tem uma cultura lindíssima, rica em cada detalhe. Que o mundo possa ver e valorizar; além de trazer renda para a população”, completou a secretária.
Reunião com Funai
Na ocasião, a secretária de Estado dos Povos Originários e Tradicionais, Narubia Werreria, se reuniu com o chefe da Divisão Técnica da Coordenação Regional Araguaia-Tocantins da Funai, Marcus Vinicius Aniszewski. O momento foi de articulação de ideias e entrega de um projeto que captou os cantos tradicionais do povo Iny. Os áudios foram armazenados em um pen drive, que foi entregue dentro de uma boneca Ritxòkò. Para Narubia, o trabalho transversal é importante. “Trabalhos como esse devem ser valorizados e perpetuados; que sejam um exemplo para outros povos também porque sabemos que os cantos tradicionais estão se perdendo e precisamos desse fortalecimento cultural, um dos objetivos da nossa Secretaria”, frisou.
Também estiveram presentes na reunião representantes da Secretaria de Estado da Cultura, da Secretaria de Estado do Turismo, caciques e líderes e o Instituto Indígena do Tocantins.
Edição: Thâmara Cruvinel
Revisão Textual: Marynne Juliate