“Para escrever bem, é preciso ler muito”. O conhecido conselho agora está documentado no guia oficial do Enem, chamado “A Redação do Enem 2022 – Cartilha do Participante”, que o Inep divulgou nesta semana (acesse aqui). Por isso, O GLOBO separou 15 sugestões de leitura para aproveitar o tempo de descanso aprendendo.
A cartilha lançada pelo MEC traz a matriz de referência da prova, detalha as cinco competências avaliadas e explica o processo de correção. Na seção “Leia mais, seja mais”, a cartilha ainda aponta outros benefícios da leitura:
- Amplia o vocabulário, possibilitando que nossa expressão na linguagem formal, exigida em exames como o Enem, seja cada vez melhor, ajudando-nos a fazer bom uso de sinônimos e articuladores argumentativos.
- Diversifica nosso repertório sociocultural, contribuindo para a seleção de ideias, fatos e informações que podem ser utilizados na construção de argumentos sobre os mais variados temas.
- Permite-nos enxergar outras possibilidades de construção da argumentação, proporcionando bons exemplos de como defender um ponto de vista – demonstrando, por exemplo, como antecipar e rebater contra-argumentos.
- Expande nossa visão de mundo, auxiliando-nos a compreender a complexidade das relações humanas e a nos colocar no lugar do outro. Isso facilita, por exemplo, a elaboração de propostas de intervenção concretas e bem articuladas ao tema proposto.
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Segundo o professor Marcelo Muller, professor de literatura da Escola SEB Dom Bosco, parceira da Plataforma AZ, o Enem não cobrou, nos últimos dois anos, temas da história da literatura, mas vale muito o aluno conhecer. Segundo ele, o importante mesmo é entender conceitos como objetivo e subjetividade; eu lírico e poeta; conotação e denotação; figuras de linguagens; e entender a expressão poética como tentativa de reler o mundo.
— Qualquer tipo de leitura é bacana. Mas indicaria também olhar bastante memes, cartoons, sempre tentando entender o público alvo e a intencionalidade daquilo — afirma Muller.
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As sugestões abaixo foram feitas por Marco Antonio Xavier, professor de literatura do curso Anglo e do colégio Leonardo da Vinci; Camilla da Silva Mendes, Professora de Linguagens do Colégio Centro de Estudos, de Campos dos Goytacazes; Oswaldo Martins, professor de Português/Redação do CEAT; Lorís Murr, professora de Literatura–Colégio Presbiteriano Mackenzie; e Igor Vieira, gestor da área de ciências humanas do colégio pH.
1. Torto Arado, de Itamar Vieira Junior
Nas profundezas do sertão baiano, as irmãs Bibiana e Belonísia encontram uma velha e misteriosa faca na mala guardada sob a cama da avó. Ocorre então um acidente. E para sempre suas vidas estarão ligadas — a ponto de uma precisar ser a voz da outra. Numa trama conduzida com maestria e com uma prosa melodiosa, o romance conta uma história de vida e morte, de combate e redenção.
- Editora: Todavia
- Veja um trecho: “De loucura meu pai entendia, assim diziam, porque ele mesmo já havia caído louco num período remoto de sua vida. Os curadores serviam para restituir a saúde do corpo e do espírito dos doentes, era o que sabíamos desde o nascimento. O que mais chegava à nossa porta eram as moléstias do espírito dividido, gente esquecida de suas histórias, memórias, apartada do próprio eu, sem se distinguir de uma fera perdida na mata. Diziam que talvez fosse por conta do passado minerador do povo que chegou à região, ensandecido pela sorte de encontrar um diamante, de percorrer seu brilho na noite, deixando um monte para adentrar noutro, deixando a terra para entrar no rio. Gente que perseguia a fortuna, que dormia e acordava desejando a ventura, mas que se frustrava depois de tempos prolongados de trabalho fatigante, quebrando rochas, lavando cascalho, sem que o brilho da pedra pudesse tocar de forma ínfima o seu horizonte. Quantos dos que encontravam a pedra estavam libertos dos delírios? Quantos tinham que proteger seu bambúrrio da cobiça alheia, passando dias sem dormir, com os diamantes debaixo do corpo, sem se banhar nas águas dos rios, atentos a qualquer gesto de trapaça que poderia vir de onde menos se esperava?”
2. Ideias para o fim do mundo, de Ailton Krenak
Ideias para adiar o fim do mundo, Ailton Krenak — Foto: Reprodução
Neste livro, o líder indígena critica a ideia de humanidade como algo separado da natureza, uma “humanidade que não reconhece que aquele rio que está em coma é também o nosso avô”. Essa premissa estaria na origem do desastre socioambiental de nossa era, o chamado Antropoceno. Daí que a resistência indígena se dê pela não aceitação da ideia de que somos todos iguais. Somente o reconhecimento da diversidade e a recusa da ideia do humano como superior aos demais seres podem ressignificar nossas existências e refrear nossa marcha insensata em direção ao abismo.
- Editora: Companhia das Letras
- Veja um trecho: “O que é feito de nossos rios, nossas florestas, nossas paisagens? Nós ficamos tão perturbados com o desarranjo regional que vivemos, ficamos tão fora do sério com a falta de perspectiva política, que não conseguimos nos erguer e respirar, ver o que importa mesmo para as pessoas, os coletivos e as comunidades nas suas ecologias. Para citar o Boaventura de Sousa Santos, a ecologia dos saberes deveria também integrar nossa experiência cotidiana, inspirar nossas escolhas sobre o lugar em que queremos viver, nossa experiência como comunidade. Precisamos ser críticos a essa ideia plasmada de humanidade homogênea na qual há muito tempo o consumo tomou o lugar daquilo que antes era cidadania.”
3. O Ateneu, de Raul Pompeia
O Ateneu, Raul Pompeia — Foto: Reprodução
Lançada em 1888, esta é uma penetrante manifestação do espírito realista. O narrador-protagonista Sérgio recompõe o passado como forma de entender as próprias angústias. Nas lembranças de quando era aluno de um colégio interno, emergem as linhas de força que simbolizam a sociedade brasileira no Segundo Reinado. O autor mescla digressões poéticas, descrições satíricas, devaneios líricos e crítica social. A apresentação é de Emília Amaral, professora de Literatura e doutora pela Unicamp.
- Editora: Companhia das Letras
- Veja um trecho: “Bastante experimentei depois a verdade deste aviso, que me despia, num gesto, das ilusões de criança educada exoticamente na estufa de carinho que é o regime do amor doméstico; diferente do que se encontra fora, tão diferente, que parece o poema dos cuidados maternos um artifício sentimental, com a vantagem única de fazer mais sensível a criatura à impressão rude do primeiro ensinamento, têmpera brusca da vitalidade na influência de um novo clima rigoroso. Lembramo-nos, entretanto, com saudade hipócrita dos felizes tempos; como se a mesma incerteza de hoje, sob outro aspecto, não nos houvesse perseguido outrora, e não viesse de longe a enfiada das decepções que nos ultrajam”.
4. O Cortiço, de Aluísio Azevedo
O Cortiço, de Aluísio Azevedo — Foto: Reprodução
Famílias inteiras empurradas pela pobreza a lugares sem as mínimas condições de higiene e saúde, expostas ao perigo. A desigualdade entre ricos e despossuídos. Mulheres sendo exploradas. Uns poucos felizardos que são favorecidos graças a uma série de bons contatos. Essa história é antiga e ainda hoje marca nossa sociedade. Por essas razões e também por sua imensa qualidade literária, O Cortiço, de Aluísio Azevedo, continua como um dos mais poderosos retratos da realidade brasileira – em qualquer tempo. Um clássico da nossa literatura que, passado mais de um século de sua publicação original, mantém intacto seu poder de emocionar e indignar.
- Editora: Todavia
- Veja um trecho: “Daí a pouco, em volta das bicas era um zum-zum crescente; uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas. Uns, após outros, lavavam a cara, incomodamente, debaixo do fio d’água que escorria da altura de uns cinco palmos. O chão inundava-se. As mulheres precisavam já prender as saias entre as coxas para não as molhar; via-se-lhes a tostada nudez dos braços e do pescoço, que elas despiam, suspendendo o cabelo todo para o alto do casco; os homens, esses não se preocupavam em não molhar o pelo, ao contrário metiam a cabeça bem debaixo da água e esfregavam com força as ventas e as barbas, fossando e fungando contra as palmas da mão. As portas das latrinas não descansavam, era um abrir e fechar de cada instante, um entrar e sair sem tréguas. Não se demoravam lá dentro e vinham ainda amarrando as calças ou as saias; as crianças não se davam ao trabalho de lá ir, despachavam-se ali mesmo, no capinzal dos fundos, por detrás da estalagem ou no recanto das hortas”.
5. A Polícia da Memória, de Yoko Ogawa
A Polícia da Memória, de Yoko Ogawa — Foto: Reprodução
Em narrativa melancólica, o leitor é conduzido ao submundo das memórias perdidas. Em tom de ficção cientifica, uma ilha governada por policiais que buscam vestígios de lembranças. Na ilha, objetos, casas e famílias inteiras somem sem deixar vestígios. Sem que as pessoas sequer se atentem e notem os desaparecimentos, pois as lembranças furtivamente também já se foram. Na trama, uma escritora tenta manter intactos resquícios de histórias, de algo que possa permanecer. Não é fácil, já que tudo ao redor desaparece, e ela não pode contar sequer com a própria memória.
- Editora: Estação Liberdade
- Veja um trecho: “Minha mãe morreu; depois, foi a vez de meu pai me deixar. Desde então, muito tempo se passou, e eu ainda moro na mesma casa de antes. Minha babá, que cuidou de mim desde que eu era pequenininha, morreu dois anos atrás de ataque do coração. Sei que tenho primos em uma aldeia passando as montanhas do norte, perto da nascente do rio, mas nunca vi nenhum deles. As montanhas do norte estão cobertas de neblina e de florestas de espinheiros, e quase ninguém se atreve a ir lá. Além disso, aqui não há aquilo que chamam de “mapas” (será que eles também desapareceram um dia, muitos anos atrás?), então ninguém sabe como é do outro lado das montanhas, nem que real forma tem esta ilha”.
6. No seu pescoço, de Chimamanda Ngozi Adichie
No seu pescoço, Chimamanda Ngozi Adichie — Foto: Reprodução
Publicado em inglês em 2009, o livro contém todos os elementos que fazem de Chimamanda uma das principais escritoras contemporâneas. Nos 12 contos que compõem o volume, encontramos a sensibilidade da autora voltada para a temática da imigração, da desigualdade racial, dos conflitos religiosos e das relações familiares.
- Editora: Companhia das Letras
- Veja um trecho: “Foi assim que aconteceu. Numa segunda-feira úmida, quatro membros de um culto se postaram no portão do campus e armaram uma emboscada para uma professora que dirigia uma Mercedes vermelha. Puseram uma arma na cabeça dela, empurraram-na para fora do carro e dirigiram até a Faculdade de Engenharia, onde atiraram em três meninos que estavam saindo das salas de aula. Era meio-dia. Eu estava numa aula ali perto e, quando ouvimos os barulhos agudos dos tiros, nosso professor foi o primeiro a sair correndo da sala. Algumas pessoas berraram e, de repente, as escadas ficaram entupidas de estudantes desesperados, sem saber em que direção correr. Lá fora, havia três cadáveres sobre a grama. A Mercedes vermelha sumiu cantando pneu. Muitos estudantes enfiaram depressa as coisas nas mochilas e os motoristas das okadas cobraram o dobro do preço normal para levá-los ao estacionamento. O reitor anunciou que todas as aulas noturnas estavam canceladas e não seria permitido circular pelo campus após as nove da noite. Isso não fez muito sentido para mim, já que as mortes tinham acontecido em plena luz do dia, e talvez não tenha feito sentido para Nnamabia também, porque, no primeiro dia do toque de recolher, ele não foi para casa às nove e passou a noite na rua”.
7. Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis
Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis — Foto: Reprodução
Publicado em 1881, escrito com a pena da galhofa e a tinta da melancolia, Memórias Póstumas de Brás Cubas é, possivelmente, o mais importante romance brasileiro de todos os tempos. Inovador, irônico, rebelde, toca no que há de mais profundo no ser humano. Mas vale avisar: há na alma desse livro, por mais risonho que pareça, um sentimento amargo e áspero. A obra já está em domínio público.
- Editora: Antofágica
- Veja um trecho: “Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo; diferença radical entre este livro e o Pentateuco”.
8. Pequeno Manual Antirracista, de Djamila Ribeiro
Pequeno Manual Antirracista, de Djamila Ribeiro — Foto: Reprodução
Neste pequeno manual, a filósofa e ativista trata de temas como racismo, negritude, branquitude, violência racial, cultura, desejos e afetos. Em 11 capítulos curtos e contundentes, a autora apresenta caminhos de reflexão para aqueles que queiram aprofundar sua percepção sobre discriminações racistas estruturais e assumir a responsabilidade pela transformação do estado das coisas. Reconhecer as raízes e o impacto do racismo pode ser paralisante. Afinal, como enfrentar um monstro desse tamanho? Djamila Ribeiro argumenta que a prática antirracista é urgente e se dá nas atitudes mais cotidianas. E mais ainda: é uma luta de todas e todos.
- Editora: Companhia das Letras
- Veja um trecho: “Devemos aprender com a história do feminismo negro, que nos ensina a importância de nomear as opressões, já que não podemos combater o que não tem nome. Dessa forma, reconhecer o racismo é a melhor forma de combatê-lo. Não tenha medo das palavras “branco”, “negro”, “racismo”, “racista”. Dizer que determinada atitude foi racista é apenas uma forma de caracterizá-la e definir seu sentido e suas implicações. A palavra não pode ser um tabu, pois o racismo está em nós e nas pessoas que amamos—mais grave é não reconhecer e não combater a opressão”.
9. Escravidão, de Laurentino Gomes
Escravidão – Volume III, de Laurentino Gomes — Foto: Reprodução
Maior território escravista do hemisfério ocidental, o Brasil recebeu cerca de 5 milhões de cativos africanos. Nenhum outro assunto é tão importante e tão definidor da nossa identidade nacional quanto a escravidão. Conhecê-lo ajuda a explicar o que fomos no passado, o que somos hoje e também o que seremos daqui para a frente. Em um texto impactante e rigorosamente documentado, Laurentino Gomes lançou uma trilogia sobre o tema, resultado de seis anos de pesquisas, que incluíram viagens por 12 países e 3 continentes.
- Editora: Globo Livros
- Veja um trecho: “A busca por ouro e diamantes mudaria radicalmente o perfil da ocupação do território. Entre 1700 e 1800 foram fundadas nada menos que 49 vilas, a maioria delas muito além da Serra do Mar em direção ao interior, caso de Vila Boa, atual cidade de Goiás, também conhecida como Goiás Velho, terra da poetisa Cora Coralina. Interligando essas novas localidades nasceria também uma extensa rede de comunicação por rios e caminhos, ao longo dos quais se estabeleceriam os chamados registros, pontos de fiscalização para coletas de impostos e combate ao contrabando. Ao todo, mais de cem desses registros foram criados durante o século 18. Alguns estavam situados em lugares longínquos, como Arrais, no sudoeste do atual Estado de Tocantins (…) Esses postos de fiscalização às vezes iam mudando de lugar à medida que os contrabandistas e sonegadores de impostos abriam novas rotas clandestinas para burlar os controles já estabelecidos.”