Para o novo líder da bancada evangélica, há “muita gente boa” que foi presa após os ataques antidemocráticos em Brasília no dia 8 de janeiro. Segundo o deputado federal Eli Borges (PL-TO), os baderneiros existiram, mas seriam uma “minoria infiltrada” que nada tinha a ver com a “imensa maioria, de boa-fé, na frente dos quartéis cantando o hino nacional”.
O primeiro presidente a assumir o bloco religioso neste terceiro mandato de Lula (PT) faz uma interpretação equivocada da Constituição ao defender que as Forças Armadas “exercem um papel de atender ao clamor popular”. A partir disso, ele diz não ter visto “nada de errado” em pessoas que pediam intervenção militar após a derrota de Jair Bolsonaro (PL).
Borges vai se revezar com Silas Câmara (Republicanos-AM) nos próximos dois anos no comando de um dos grupos mais representativos do Legislativo e que ampliou seu poder no mandato de Bolsonaro.
Em entrevista à Folha, o deputado defendeu remover o direito ao aborto em casos de estupro e criticou a escola de samba paulistana Gaviões da Fiel por causa de seu enredo neste Carnaval, “Em Nome do Pai, dos Filhos, dos Espíritos e dos Santos”, que alarga o conceito da Santíssima Trindade cristã. “Precisamos entender o seguinte: liberdade [de expressão] não é libertinagem.”
O sr. será o primeiro presidente da bancada evangélica no governo Lula 3. Serão oposição? A bancada tem postura de defender bandeiras como a família, luta contra ideologia de gênero, luta pela defesa da vida e contra aborto, contra jogo de azar. Não vamos amenizar nenhuma das pautas que nós defendemos em Brasília. Isso não tem nenhuma correlação com os outros Poderes, nem Supremo [Tribunal Federal], nem Lula.
Vê o governo Lula como oposto a esses valores que o bloco defende? Não sou eu que vejo, ele [Lula] que verbalizou muitas vezes um pensamento diferente daquilo que mais de 80% da população conservadora prega e defende.
Mas a eleição do Lula não valida um apoio da população às pautas que ele defende? De alguma forma, o Lula teve apoio, sim. A igreja não é política nem tem partido político. Dentro do segmento evangélico, naturalmente o Lula teve um percentual significativo de pessoas que sempre acreditaram que ele não faria exatamente aquilo que ele estava pregando.
Por exemplo, o aborto. Ele disse que o aborto é uma questão ligada à saúde da mulher. Nós temos uma visão diferente disso.
O sr. trocou em 2022 o Solidariedade pelo PL e disse que o país precisava de Bolsonaro. Considera-se um bolsonarista? Eu me considero um deputado federal que tem afinidade com as bandeiras que Bolsonaro defende. Até porque tenho uma postura política muito interessante. Se você analisar as minhas votações, elas são votações que estão muito ligadas à minha consciência. O Solidariedade foi para o PT, e eu tinha que ficar onde eu estava inserido nas bandeiras que eu defendo. Nesse momento que passou, esse lado era o do Bolsonaro.
Alguns pastores se disseram decepcionados com o comportamento de Bolsonaro após a derrota eleitoral. E o sr.? Entendi que ele apenas exercitou a prudência que deveria ter e não se envolveu em função de estarmos vivendo, entre aspas, uma ditadura da toga no Brasil. E isso com certeza levou o Bolsonaro a exercitar o espírito prudente nesse tempo de início do governo Lula. Ele é um ser humano, e nós temos que respeitar.
O que é a “ditadura da toga” e como ela afetaria o Bolsonaro? Venho falando que nós vivemos um ativismo judicial. Por exemplo, este 8 de janeiro: quero compreender que tem uma pequena minoria de baderneiros infiltrados e, às vezes, algumas pessoas na sua simplicidade, mas eles não representam o pensamento da maioria dos brasileiros. Tem muita gente boa que está buscando a sua liberdade e está presa.
Esse ativismo antecede [o 8 de janeiro]. Nós tivemos interferência do Supremo em muitos assuntos, como ideologia de gênero, aborto. Acho que não são matérias do Supremo. Judiciário tem que julgar leis, e quem faz as leis é o Parlamento.
Concorda com a definição de que o 8 de janeiro foi um ato antidemocrático? Concordo que uma pequena minoria de baderneiros infiltrados praticaram atos antidemocráticos. Porém a imensa maioria, de boa-fé, na frente dos quartéis cantando o hino nacional com a bandeira nacional, estava a serviço da consolidação da democracia brasileira. Esse é o meu pensamento.
Houve participação evangélica forte nesses atos. Vi todos os segmentos religiosos que defendem as cores da nossa bandeira, a nossa brasilidade, vi todos na porta dos quartéis. Evangélicos, católicos e espíritas na luta pela democracia.
Na porta dos quartéis havia pedidos de intervenção das Forças Armadas diante de um resultado das urnas que, segundo eles, não seria confiável. Considera que isso também faz parte da consolidação da democracia? Se você abrir a Constituição está muito claro: as Forças Armadas exercem um papel de atender ao clamor popular, e essa população foi fazer um clamor que a Constituição define como um direito constitucional. Não vi nada de errado na sociedade fazer o seu clamor.
A bancada terá um trio de parlamentares novatos sob investigação por supostamente incentivar os atos em Brasília: Clarissa Tércio (PP-PE), Sílvia Waiãpi (PL-AP) e André Fernandes (PL-CE). Conversou com eles? Não conversei. Como disse, aqueles que exercitaram a sua liberdade de manifestação, dentro da visão democrática, excetuando aqueles que fizeram baderna e se infiltraram para criar uma situação, exerceram direitos democráticos.
A bancada vai realizar o tradicional culto, com ceia, em que são chamados os chefes dos Poderes. Gostaria que Lula fosse a esse culto? Se ele for com uma alma buscar os valores, todos estão convidados.
Nas últimas eleições, tem-se discutido sobre um suposto abuso do poder religioso, transformando púlpito em palanque. Qual sua visão sobre a defesa de candidatos em igrejas na campanha? Nos sindicatos, eles têm os seus candidatos. No segmento bancário eles têm os seus candidatos. Qual é o problema de a igreja também ter os seus?
O poder que pastores têm sobre a igreja, como liderança religiosa, não é diferente dos outros setores que o sr. citou? Não quero comparar igrejas a sindicatos, só disse que cada segmento tem o seu candidato.
O que vi foi muita atuação de líderes importantes do Brasil num nível de orientação. E, se eles exercem uma influência em sua membresia, entendo que isso é fruto da liberdade democrática, já que a igreja é composta por cidadãos.
Quero deixar claro que não concordo com excessos, que a igreja exerça uma ditadura sacerdotal em cima da membresia. Temos que respeitar o direito do voto, o foro íntimo da liberdade dos eleitores, mas devo dizer que a igreja tem que ter os seus candidatos.
Bolsonaro continuará contando com o apoio maciço que teve dos evangélicos em 2018 e 2022, se quiser e puder disputar eleições no futuro? Não posso ser vidente para daqui a quatro anos. Entendo que, se ele continuar defendendo o que as igrejas defendem, vai conseguir esse apoio. Se o Lula se converter e começar a defender o que defendemos… A igreja não tem partido.
A Câmara discute o Estatuto do Nascituro, que propõe impedir o aborto em casos de estupro, o que hoje a legislação aceita. O que o sr. acha da proposta? Neste jogo que fazem, esquerda contra direita, prefiro colocar a mãe que foi violentada. Tem omissões aí, que é esta criança. Será que ela também deveria falar no processo, dizendo: “Olha, não tenho culpa de nada, sou uma vida, tenho direito de nascer”? É importante pensarmos que tem essa figurinha lá, que a mãe emprestou sua barriga para que ela nasça.
Só para deixar claro, o sr. é favorável a remover esse direito específico ao aborto da legislação? Não concordo que tenha aborto no Brasil. Defendo a vida desde o nascituro. Defendo a vida, e o dono da vida é Deus.
A bancada se posicionou contra o que viu como profanação de símbolos cristãos no Carnaval da Gaviões da Fiel. Por quê? Vejo no Brasil uma cristofobia forte. Temos que oferecer uma reação. Queremos respeito ao nosso culto. Isso inclusive é uma garantia constitucional.
Essa questão da cristofobia é real em vários países, onde vemos perseguição e até morte de cristãos —o que não acontece no Brasil. Já a intolerância religiosa afeta sobretudo crenças de matriz africana e é praticada por evangélicos em muitos casos. Não tenho direito, como cristão, de questionar a liberdade religiosa dos cultos afros. Não posso aqui dizer que concordo com a forma que eles têm, claro que não vou concordar. Mas compreender que são um povo num Estado laico. Agora, grupos sobretudo de ativistas se levantando contra a visão da igreja, aí sim vejo uma certa intolerância religiosa, e temos que começar a reagir. Precisamos entender o seguinte: liberdade não é libertinagem.
No mesmo fim de semana, um pastor americano disse num congresso da Assembleia de Deus, não muito longe do Congresso, que homossexuais, trans e até quem usa calça apertada têm reserva no inferno. O sr. acha que falas como essa têm respaldo constitucional? Olha, deixa eu ser claro. Uma coisa é uma escola de samba, devidamente organizada, com a clara visão de afrontar mesmo a fé brasileira. Outra coisa é uma preleção de um pastor que, dentro do regramento de sua fé, com a Bíblia aberta, se posicionou. Tenho o direito de verbalizar minha visão de sociedade desde que eu esteja enquadrado no meu manual, que é a Bíblia.
Um pastor pode ter liberdade, essa liberdade de pregar, e uma escola de samba de fazer alusões à Santíssima Trindade que serão encaradas como desrespeitosas por uma parcela da sociedade. É uma visão que você passa, a de que uma liberdade de expressão pode ocorrer de forma excessiva. Discordo. O pastor estaria errado? Ele pregou dentro da visão da Bíblia. O problema é que a igreja é muito serena, não está reagindo. Estamos vivendo uma cultura em que um segmento da sociedade pode tudo, questiona tudo, fala tudo, mas é muito sensível quando tem um contraponto.
Mas, dentro dessa visão, a Gaviões não poderia se posicionar? Aí você tem que fazer uma pergunta para o artigo 208 do Código Penal. Numa sociedade ordeira, decente, democrática, as instituições religiosas precisam ser respeitadas.
RAIO-X | Eli Borges, 62
Deputado federal pelo PL de Tocantins, conquistou o primeiro mandato na Câmara em 2018. Foi antes deputado estadual. Pastor da Assembleia de Deus Madureira, define-se como “o pastor da família e do agronegócio”. Assumiu a presidência da bancada evangélica em 2023.
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