Foi o que noticiou o jornal “The Asbury Collegian” em sua edição online de 8 de fevereiro.
Fazia 12 horas que a editora da publicação, a estudante de Jornalismo e Ministério Cristão Alexandra Presta, havia entrado, sem hora para sair, no auditório Hughes, um local de oração da Universidade Asbury, em Wilmore, município de 6.000 habitantes do Kentucky (EUA).
Outros estudantes, além dela, seguiram no local para cantar e orar. O culto seguiu ininterrupto até o dia seguinte. E no outro. E no outro. Tem sido assim há nove dias.
Estudantes, professores, líderes da igreja local e seminaristas seguem reunidos há mais de 200 horas. A eles se somam cerca de 5.000 pessoas que viajaram de diversas localidades para testemunhar o que os presentes chamam de “revival” — termo teológico que, traduzido como avivamento, se refere a um despertar religioso.
Sem uma organização centralizada, “lives” de participantes mostram ao vivo o movimento no auditório, com fiéis cantando, erguendo os braços e se curvando diante do altar. Por causa da lotação, a universidade precisou instalar um telão do lado de fora.
Estima-se que ao menos dez avivamentos tenham sido registrados no campus de Asbury, ao longo da história — instituição centenária conhecida como a universidade cristã do Kentucky.
O mais conhecido deles aconteceu em 1970, época em que os EUA testemunhavam a explosão do movimento hippie e a Guerra do Vietnã.
Dessa vez, o fenômeno acontece no momento em que a Organização Mundial da Saúde afirma estar próxima de anunciar o fim da pandemia, que durante mais de dois anos confinou os habitantes do Planeta Terra, religiosos ou não, a viverem confinados e distantes uns dos outros.
Alexandra Presta conta, em uma reportagem-testemunho do “The Asbury Collegian”, que se emocionou ao ver duas amigas se abraçando com lágrimas nos olhos, logo no primeiro dia do culto. Chamou a atenção também a aglomeração de grupos diversos em volta de um piano para cantar músicas de louvor.
“Abracei amigos, chorei com estranhos. Havia muito tempo que não me sentia tão conectada a Deus”, descreveu.
Entre centenas de pessoas “espremidas” no auditório, ela conta que ali ninguém temia hostilidades por conta de diferenças relacionadas a raça, idade, sexo ou crença. Isso em um país fraturado, como aqui, por desavenças políticas.
Anna Lowe, editora-chefe da publicação, relatou, em outro artigo, ter entrado no auditório em um momento pessoal cheio de frustrações. “Meu coração andava incrivelmente endurecido”, relatou.
Durante o culto, porém, ela deixou de lado o impulso de registrar as cenas, como pede sua profissão, e ficou apenas em silêncio. “Tudo o que importava era o nosso Criador. A transferência do meu foco me levou a refletir sobre como somos infinitamente pequenos. As situações que arrebatavam minha mente eram meras manchas no horizonte comparadas à eternidade”, escreveu.
Essa suspensão de animosidades projetada pelas duas estudantes parece ter se restringido ao Asbury e região.
Ao menos por aqui, embora tenha se tornado um “trend”, a palavra “avivamento” se tornou objeto de calorosas discussões. Nas redes sociais, houve quem visse no fenômeno um indício da volta do próprio Cristo à Terra. Outros viam tudo como uma forma de manipulação. Outros apenas um exagero comparado a fenômenos maiores registrados em outras localidades, como recentemente na Holanda.
Não há consenso sequer se o que acontece há dias em Wilmore pode ou não ser considerado um avivamento.
Segundo o jornalista e teólogo Ranieri Costa, mestre em linguagem de mídias da PUC de Campinas (SP), o avivamento é caracterizado por três marcas principais: arrependimento, presença de Deus e derramamento do Espírito Santo.
“A presença de Deus está no âmbito da fé de cada um. Mas arrependimento gera uma prática. Você se arrepende de um pecado ou de algo que disse para alguém. E conserta com aquela pessoa”, explica.
De fato, em Asbury, uma onda de confissões é notada por quem esteve no local. Mas o especialista aponta que as marcas externas do fenômeno ainda precisam ser observadas. Ou seja: só saberemos se o que houve naquela universidade foi ou não um avivamento quando as pessoas voltarem para suas casas.
“Tem uma prática que vai além do templo, com o trabalho que aquelas pessoas vão passar a desenvolver lutando por justiça social. Todos os avivamentos têm marcas muito interessantes de ações práticas, que geram um compromisso com a causa dos mais vulneráveis. Ainda é cedo pra dizer que o que acontece em Asbury é um avivamento.”
Ranieri Costa aponta uma “certa pressa” para colocar esse selo ao que acontece naquele local. Sintomas de uma sociedade de consumo, que quer as coisas para agora e de acordo com as próprias preferências — inclusive políticas.
Ele lembra que o governo de Jair Bolsonaro (PL) foi marcado por uma promessa de ocupação de espaços de poder por pessoas “terrivelmente evangélicas”, nas palavras do próprio ex-presidente.
Isso gerou uma expectativa e vigílias em frente aos quartéis, marcadas por orações, clamores e um “anseio de avivamento”.
Daí a explicação para pastores ligados a Bolsonaro correrem para colocar este selo ao que acontece agora nos EUA.
Se cada fenômeno social carrega as marcas de sua época, o culto na Universidade de Asbury tem a marca destes tempos, que exigem nomes e posições sobre acontecimentos ainda em movimento — e não devidamente compreendidos.