Para chineses ricos que procuram fugir dos sufocantes bloqueios impostos pelo governo chinês devido à pandemia e às tensões políticas, Portugal tem muito a oferecer. Clima ameno, estilo de vida descontraído e acessível e vistos de investidor que permitem o acesso a toda a União Europeia — tudo por apenas € 350 mil.
Uma onda que atraiu milhares de chineses ao longo da última década, ajudando a remodelar a paisagem urbana de Portugal e parte de uma maré de dinheiro novo que atingiu US $ 1 bilhão anualmente em seu pico em 2014.
Oito anos depois, essa rota de fuga está perdendo terreno. Mas não por falta de demanda. Muito pelo contrário: mais chineses ricos estão tentando sair – ou pelo menos preparar um plano B -, em parte porque a política Covid-Zero do país tem prejudicado crescimento econômico da China.
A consultoria de migração de investimentos Henley & Partners estima que 10 mil residentes de alta renda estão procurando retirar US$ 48 bilhões da China este ano. No passado, alguns usaram o programa Golden Visa como rota de fuga.
Desta vez, os impedimentos estão aumentando por parte dos governos em ambos os lados. A União Europeia tem tornado cada vez mais claro o seu desdém para programas de residência e cidadania por investimento, atualmente oferecido de alguma forma por 10 estados membros, com Chipre e Malta já descartando suas iniciativas de passaporte dourado depois de serem alvo de escrutínio do bloco.
Portugal tem um processo de candidatura que requer uma entrevista pessoal – algo que se tornou quase impossível com as restrições de viagem determinada pela China por causa da Covid.
Americanos superam os chineses
A dupla pressão está colocando os programas outrora populares sob ameaça em todo o continente, com 2022 se preparando para ser o primeiro ano em que os investidores chineses não serão o maior grupo a buscar os golden visas de Portugal.
Pela primeira vez, os americanos devem superar os chineses como maior grupo com visto de investidor em terras portuguesas. Isso deixa os chineses ricaços com opções cada vez menores, e líderes empresariais e corretores de imóveis com uma fonte cada vez menor de investimento no país.
– Muitos chineses fizeram investimentos após o programa de golden visa e comecei a trabalhar com o país – disse Bernardo Mendia, secretário-geral da Câmara Portugal-China de Comércio e Indústria.
Portugal era um “mercado morto” antes da política do governo da China que incentivou as empresas a buscarem investimentos no exterior na década de 2010, disse Mendia.
-Ultimamente, a direção política mudou.
Magnatas chineses apostam alto, abocanhando participações em segmentos como distribuição de energia, saúde, finanças, construção e aviação. O interesse foi além dos titãs corporativos: milhares de chineses abastados adquiriram residência portuguesa através do programa de golden visa.
Os números oficiais mostram que o país doou cerca de 10.000 vistos de investidores desde 2012, principalmente para cidadãos chineses.
No entanto, este ano, apenas 16% dos candidatos aprovados são chineses, bem abaixo dos 81% de 2014, segundo dados do Portugal Migration Insider, um site de rastreamento de residência e cidadania.
Trampolim para a cidadania
O programa de Portugal concede residência em troca de um investimento mínimo de 350 mil euros (US$ 358.400) em imóveis ou 500 mil euros em um fundo de empreendimento local aprovado. Como é o programa de menor exigência de investimento na Europa depois da Grécia, é frequentemente usado como trampolim para a cidadania da UE.
A partir deste ano, Portugal restringiu o programa de visto de investidores em Lisboa, Porto e zonas costeiras de alta densidade, investimento para o campo menos desenvolvido, o que os proponentes veem como uma oportunidade não realizada.
O imóveis comerciais em Lisboa, no entanto, não foram atingidos pelas restrições. Sendo assim, algumas incorporadoras estão vendendo apartamentos com serviços que permitirão que compradores em Lisboa solicitem o visto dourado, enquanto outros estão criando fundos imobiliários para que potenciais investidores possam aderir ao programa.
– Os golden visa são importantes pelo quanto ajudaram a economia – disse Alexandra Victoria-Bonte, cofundadora da Lisbon- One Stop Properties, e associada de um fundo de private equity que investe em imóveis portugueses:
– Muitas pessoas pensam nisso como um bilhete dourado, mas não é. É muito mais do que isso – é um investimento seguro que vai dar altos frutos.
Alexandra conta que as autoridades portuguesas foram pressionadas a mudar as regras porque muitos investidores colocam propriedades no Airbnb ou deixam vazias. Isso levantou preocupações sobre o impacto nas comunidades e acessibilidade da habitação, especialmente na capital, onde estrangeiros têm precificado muitos locais.
As barreiras adicionais não impediram Fong Tak-ho, de 54 anos, que comprou quatro propriedades em Portugal desde a primeira visita com sua esposa, há cinco anos. Ele entregou sua documentação para obtenção do visto em julho, após o processo ter sido interrompido pela pandemia, e mudou-se para Lisboa mais cedo do que o previsto, depois que protestos varreram as ruas de Hong Kong e alguns de seus amigos foram presos.
– Foi muito bom e pensamos: ‘talvez pudéssemos nos aposentar lá'” – disse Fong, que trabalha na mídia e vive perto da Chinatown de Lisboa, sobre sua primeira visita.
Grécia e Malta, novos focos
Novas restrições e atrasos nos vistos significam que as empresas de imigração estão mudando o foco para mercados como Grécia e Malta, disse Y Ping Chow, chefe da Liga Chinesa em Portugal, sediada em Lisboa. Os golden visa agora representam apenas 3% dos negócios imobiliários em Portugal, segundo Paulo Silva, responsável pela consultoria imobiliária Savils.
Enquanto isso, na China, consultores de migração de investimentos dizem que as autoridades governamentais levantaram sutis impedimentos, como atrasar as renovações de passaporte e questionar por que certos documentos precisam de reconhecimento de firma.
O investimento em golden visa está mudando partes de Portugal. A tranquila e costeira Cascais viu grandes empreendimentos financiados com dinheiro do programa. Um dos mais novos projetos da área é o Legacy Hotel, uma parceria entre a rede Hilton e o Reformosa, o desenvolvedor da magnata nascido em Taiwan, Ming Chu Hsu.
Ming, que não respondeu aos pedidos de comentários, criou um corrida no setor imobiliário, incluindo em Hong Kong, antes de apostar sua fortuna em filantropia em Nova York. A milionária também está praticando a filantropia em Portugal, onde doou US$ 5 milhões para a compra de equipamento médico para o combate à Covid, incluindo 80 ventiladores.
O Legacy vai se somar ao portfólio imobiliário português de Ming, que sua empresa diz valer mais de US$ 1 bilhão.
Fonte: O GLOBO