Os jovens apostaram todas as fichas em uma mudança para um dos países mais agitados do mundo. O problema é que o sonho se tornou um pesadelo. Ao desembarcarem em Bangcoc, na Tailândia, os jovens foram levados para Myanmar, país próximo, e obrigados a trabalhar em um esquema internacional de extorsão, em condições análogas à escravidão.
Os jovens conseguiram retornar para o Brasil na última quarta-feira (16/11). Nathalia Munhoz e os seus pais, Vanessa Aparecida Munhoz e Cristiano de Lima Munhoz, concederam uma entrevista ao Globo após quatro meses longe.
“Vivemos uma mistura de sentimentos durante a expectativa da chegada deles. Momentos de felicidade, nervosismo, angústia, choro. Ao vê-los e tocá-los, tudo isso foi desmoronando”, relatou Cristiano.
“Tanta coisa negativa, com o Natal chegando e minha filha do meio prestes a ter um bebê… imagina a minha situação. Quando desembarcaram, foi uma emoção só. Sensação de alívio, paz e gratidão a Deus. Eu ganhei um presente de Deus!”, contou o pai de Nathalia em entrevista.
Tudo começou quando Nathalia viu um anúncio de vaga de emprego no Instagram para trabalhar na Tailândia. A jovem se interessou ao perceber que se enquadrava no perfil descrito no post. O homem que divulgou a suposta vaga se apresentava como André.
Entretanto, sua família se mostrou contrária à decisão de ir para o outro lado do mundo em busca de um emprego.
“Não sei ao certo se o rapaz ela já conhecia ou não, mas ela me pediu opinião e eu fui contrário, não havia gostado da ideia, por algumas razões lógicas. Mas, por fim, ela aceitou a proposta e nos comunicou, dizendo que precisava trabalhar e sustentar as filhas dela. Mesmo contrariados, aceitamos”, conta Cristiano.
Após aceitar a vaga de emprego, Nathalia e o pai decidiram como ficaria a situação das duas filhas pequenas. Marina, de 5 anos, e Antônia Beatriz, de 4 anos, iriam ficar sob os cuidados do avô paterno.
“As pessoas que conduziriam eles até a empresa não falavam inglês ou português. Ao entrarem no carro, eles já se depararam com duas pessoas fortemente armadas com metralhadoras e fuzis. Com medo, minha filha postou um vídeo mostrando o entorno durante a chegada e, de relance, alguns dos caras. Já mostrou certa apreensão ali. Àquela altura, eu ainda tentei tranquilizá-la”, relata Cristiano.
Cativeiro
A jovem contou à reportagem que viajou durante dois dias de carro após desembarcar na capital da Tailândia até chegar a um local chamado KKparque, em Myanmar. Os prédios eram uma espécie de condomínio dominado e comandado pela milícia responsável pelo sequestro de Nathalia.
“Lá ela começou a situação inóspita que enfrentaria. Um ambiente hostil, agressivo, com duras horas de trabalho. E ela contou que eles eram ainda mais cruéis e agressivos com os asiáticos mantidos lá”, relata Cristiano. “Mas todos eram vigiados pelos rebeldes ou milicianos fortemente armados, que não deixavam ninguém sair do parque. Entravam e saíam apenas com a autorização do chefe da quadrilha”, lembra.
A vítima ainda está muito abalada, mas contou ao Globo sobre as condições de vida em que era mantida durante o cárcere. “Comia tripas, lesmas, dormi em chão duro, passei fome e frio”, conta Nathalia.
Além das condições precárias, as diferenças culturais relacionadas à alimentação eram difíceis para Nathalia. “Eles comem cobras, escorpiões, pato, rãs, muitos legumes, muito miojo. O café da manhã lá às vezes era miojo… a água que nos davam para beber era salobra”.
Apesar das condições precárias a que era submetida, os sequestradores autorizaram Nathalia a ficar com o seu telefone celular para realizar ligações rápidas, mas não poderia filmar nada. Durante estes telefonemas, a jovem conseguiu tranquilizar a sua família, até que em setembro ela passou a detalhar a situação em que vivia e pediu por meio de um áudio para que os seus parentes procurassem as autoridades policiais caso ela desaparecesse por dois dias ou mais.
Trabalho
Nathalia era obrigada a trabalhar até às 16h por dia e com apenas uma folga por mês. O trabalho criminoso tinha como objetivo extorquir criptomoedas de norte-americanos, em um golpe em que eles se passavam por mulheres interessadas por meio de um perfil falso.
“Ela e o Patrick começaram a passar mal, até mesmo por conta das alimentações, e em certas ocasiões ela deixava escapar que estaria vivendo um inferno e que queria vir embora. Muitas vezes ela deixou escapar que não via a hora de vir embora, que o lugar era horrível, que não tinha o que fazer. Nas raras folgas que tinha, não tinha o que fazer lá, além de dormir”, conta Cristiano.
A família do amigo de Nathalia também sequestrado, Patrick, foi a primeira a procurar as autoridades em busca dos jovens após ser informada das situações precárias em que os dois estavam.
“Entrei em contato com o Itamaraty e com a embaixada de Yangon. Depois da primeira reportagem, o grupo (de sequestrados) começou a se articular lá dentro, por intermédio do Patrick e da minha filha. Eles sofreram, mas os bandidos afastaram eles das atividades por 18 dias alegando que os soltariam. Cobraram um resgate de US$ 6 mil dólares, que a família do Patrick conseguiu levantar. Depois, disseram que não podiam libertá-los ainda porque tinham que esperar a chegada dos passaportes”, contou o pai de Nathalia.
“Mas não foi o que aconteceu. Os milicianos levaram eles e os soltaram em outro lugar, onde eles foram detidos em um distrito sob a alegação de estarem sem vistos. Foram presos por conta da irregularidade. Quando eles foram pegos pela imigração, começamos então a cobrar o Itamaraty e a embaixada. Depois de muita cobrança, foram soltos e mandados de volta ao Brasil”, relembra Cristiano.
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