Com o relacionamento bilateral atravessando um mau momento, os governos de Alemanha e França decidiram nesta quarta-feira adiar para o ano que vem uma reunião conjunta de seus Gabinetes. A decisão reflete as dificuldades que as duas maiores economias da União Europeia (UE) têm para se manter unidas em meio à crise energética desencadeada pela guerra na Ucrânia e seus impactos econômicos.
Previsto para a semana que vem, o evento — um momento tradicional que os vizinhos usam para exibir sua unidade e influência no bloco — ficará para janeiro devido às divergências entre o presidente Emmanuel Macron e seu par alemão, o chanceler Olaf Scholz, em temas-chave para ambos. A falta de consenso fez com que não conseguissem rascunhar uma declaração conjunta para divulgarem no fim da cúpula que aconteceria na França.
O adiamento, que vem também às vésperas de uma cúpula da UE entre os dias 20 e 21, é inesperado e pouco habitual, e um indício do atual momento das relações franco-germânicas. A reunião ministerial seria a primeira desde que Scholz chegou ao poder em dezembro do ano passado, substituindo Angela Merkel, que mantinha uma boa relação com Macron.
O mundo em imagens nesta quarta-feira
Falta química entre os mandatários de ambos países, mas os problemas vão além. Os franceses criticam o que dizem ser uma série de decisões unilaterais alemãs, como um pacote energético de 200 bilhões de euros que Berlim apresentou para aliviar o impacto da crise para os alemães — Paris diz que a medida pode distorcer o mercado continental, já que outros países não têm capacidade de fazer o mesmo.
Além disso, têm desentendimentos em pontos como a iniciativa hispano-germânica para construir o gasoduto MidCat, rechaçado pela França, e investimentos em armas para garantir a autonomia estratégica do continente. Os franceses também não gostaram que os alemães fossem atrás de sistemas de defesa aérea americanos, ao invés de europeus.
Tanto o governo alemão quanto o francês usaram os mesmos argumentos para justificar a mudança de data. Ao El País, uma fonte do Eliseu disse que houve problema de disponibilidade dos ministros alemães — diz que Paris havia elaborado um formato que previa comparecimento pleno, o que não foi possível do outro lado.
O segundo ponto é que “o processo de coordenação ainda precisa de tempo”, como disse o governo alemão. Segundo Berlim, são temas de grande preocupação sobre os quais “ainda não conseguimos chegar a um acordo”.
“Concordamos em conjunto que precisávamos de um pouco mais de tempo para alcançar coisas ambiciosas e a altura do que está em jogo neste momento”, disse o Eliseu. “Evidentemente, sobre questões de defesa, energia e outros temas.”
Segundo adiamento
Uma fonte do governo alemão explicou que as divergências sobre o “conteúdo” foram determinantes, fazendo com que Berlim aceitasse a proposta francesa de postergar o encontro.
O adiamento desta semana não é o primeiro, segundo a fonte do Eliseu, que pediu anonimato ao El País, afirmando que o encontro estava originalmente previsto para julho. A mesma fonte, contudo, disse que a decisão “não indica nada sobre o estado das relações franco-alemãs”.
O ministro da Economia francês, Bruno Le Maire, também negou em uma entrevista coletiva após uma reunião de vídeo com seus pares alemães que houve “dificuldades”. Disse que o adiamento ocorreu por “problemas de agenda de alguns ministros”.
Sempre houve desacordos entre as visões francesas e alemãs para a Europa, e o próprio relacionamento bilateral recente é marcado por momentos de altos e baixos. Nos últimos anos, a relação era boa e foi essencial para os trunfos do bloco: desde a resposta conjunta à pandemia e Covid-19 e o plano de recuperação pós-crise sanitária à guerra na Ucrânia.
Diferenças
As consequências do conflito, contudo, impactaram a relação bilateral e a capacidade de influência europeia da dupla. Ambos os países se veem afetados em graus distintos pela crise energética: até a eclosão da guerra, os alemães importavam quase 60% de seu gás da Rússia, que corta as entregas para o continente em repúdio à enxurrada de sanções impostas pela UE, os EUA e seus aliados. A França, por outro lado, tem maior autonomia energética devido às suas usinas nucleares.
Os dois países, há anos defensores do diálogo com o russo Vladimir Putin, foram pegos de surpresa pela invasão e perderam a credibilidade com países da Europa Central e do Leste Europeu que veem a situação ucraniana como um possível prenúncio do que podem vir a enfrentar.
Também há falta de consenso sobre o programa para desenvolver com a Espanha um novo avião de combate, bloqueado há meses por diferenças entre a francesa Airbus e a alemã Dassault Aviation, as companhias responsáveis por elaborá-lo. O acordo para os protótipos está com a assinatura pendente desde o ano passado.
Outro ponto é o MidCat, o gasoduto que deveria levar gás da Península Ibérica ao Norte da Europa, passando pela França. O projeto tem o apoio de Portugal, da Espanha e da Alemanha, mas é bloqueado pelos franceses — afirmando que não ficaria pronto a tempo para crise atual e que o projeto não faz sentido a longo prazo, já que é necessário abandonar os combustíveis fósseis para fazer frente ao aquecimento global.
— Seria bom se ele passasse pela França, mas não há acordo — disse na terça o ministro da Economia alemão, Robert Habeck. — Veremos quais alternativas temos.
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