Em um cenário de queda do emprego formal, o seguro- desemprego ajuda a manter a renda de trabalhadores que perderam sua colocação. Mas, no Brasil, esse benefício tem impacto fiscal e econômico e, quando o país retomar o crescimento e voltar a gerar vagas com carteira, poderia ser revisto pelo próximo governo, recomenda o economista Fabio Giambiagi em sua coluna no GLOBO da última sexta-feira.
Ele defende o pagamento de um número de parcelas menor, depois do primeiro pedido, além de um teto para solicitações. Para discutir a melhor política para a proteção trabalhista, foram ouvidos Daniel Duque, pesquisador da área de Economia Aplicada da FGV, Flávio Mesquita Saraiva, coordenador de Economia da International Business School Americas e professor da PUC-SP, e Sillas de Souza Cezar, professor de Economia na Fundação Armando Alvares Penteado (Faap).
Muitos incentivos para pedir o benefício
O país precisa diminuir incentivos de busca pelo programa de seguro-desemprego, que ainda é, de certa forma, leniente. O benefício no Brasil tem problemas de ordem fiscal e econômica.
O de ordem econômica é que há muitos incentivos para a pessoa pedir o seguro-desemprego. E o mercado de trabalho no Brasil tem uma característica que é ruim para a produtividade: a rotatividade. As pessoas se empregam, ficam pouco tempo, se demitem e vão para outro trabalho.
Por muito tempo, o diagnóstico foi de que um dos fatores que causavam essa rotatividade era justamente o seguro-desemprego. A partir disso, em 2015, o governo Dilma Rousseff editou uma medida provisória, que foi aprovada no Congresso, com maiores restrições no acesso.
A principal limitação foi a necessidade de ter, pelo menos, um ano de trabalho formal.
O que pode ser feito? Duas coisas. Uma é diminuir o valor da parcela a cada vez que ele for pedido. E, a outra, é limitar o número de vezes que o benefício pode ser acessado, num determinado período.
Eu acredito que um problema do seguro-desemprego é que ele só é acessado pelos trabalhadores formais. Já os informais, principalmente aqueles que trabalham por conta própria, não acessam. As medidas de maior restrição poderiam vir com um redesenho do programa.
Muitos defendem que ele seja unificado com o FGTS, que também serve para reduzir volatilidade de rendimentos, mas tem distorções. O FGTS é um benefício que tem um desenho ideal para fazer a expansão para trabalhadores informais. Poderia ser um programa que fosse uma poupança semivoluntária.
Isso é uma coisa ambiciosa, mas fazer mudanças pontuais, um ajuste pequeno neste benefício, pode não resolver a estrutura bipolar do mercado de trabalho — a formal e a informal. E o seguro-desemprego não teria viabilidade fiscal para ser implementado para todos os trabalhadores.
Estudos mostram que quando há um trabalhador demitido, há mais probabilidade de um membro da família entrar no crime. E isso diminui se ele for elegível ao seguro-desemprego. Dar estabilidade em relação a choques de emprego é importante.
Daniel Duque é pesquisador da área de Economia Aplicada do Ibre da Fundação Getulio Vargas (FGV)
Não é o momento de rever o programa
Este não é o momento oportuno de rever o seguro-desemprego e pensar em uma alternativa que reduz o valor do benefício. Eu seria muito cauteloso com isso. Ele é um instrumento importante porque mantém a renda da parcela de trabalhadores. É também um fator para a gestão macroeconômica, impedindo que a renda salarial caia ainda mais.
Embora estejamos melhorando nossa massa salarial, que é o total de salários pagos, o rendimento médio do brasileiro é mais baixo.
Os últimos dados do IBGE mostram que o salário médio no Brasil era de R$ 2.632 no trimestre até maio. Em junho, foi de R$ 2.652. Além de ter uma geração de empregos insuficiente, agora, por mais um fator que é a inflação, o país tem um rendimento médio baixo, muito comprometido.
Acho que a prioridade da agenda econômica é encontrar uma fórmula que traga o Brasil de volta para o crescimento. E que não seja um crescimento “fogo de palha”, mas uma expansão consistente. Neste momento, por causa do combate à inflação, a taxa de juro está em ascensão.
Há um certo consenso de que na próxima reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) a Selic vá a 13,75% (hoje está em 13,25% ao ano). E sabemos que isso impacta produção, emprego e a renda.
Os retrocessos no Brasil em 2022
Temos outras questões no horizonte, entre elas, a geração de empregos e de que maneira vamos qualificar as pessoas para que elas possam encontrar colocações e atender as novas demandas do mercado de trabalho. O mundo todo passa por essa mudança na estrutura das profissões.
Tem muita coisa sendo digitalizada, implicando uma qualificação que muitos trabalhadores não têm, o que gera dificuldades para se alocar no mercado de trabalho. Discussões sobre seguro-desemprego e renda mínima estão na agenda política de diversos países.
Hoje, o programa do seguro- desemprego é financiado pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Toda essa discussão faz parte de uma questão mais ampla que é a carga tributária do país, que ainda é muito regressiva.
Acho que o financiamento do seguro-desemprego tem que ser inserido nesse contexto mais amplo. Não há como ser uma questão isolada.
Flávio Mesquita Saraiva é coordenador da International Business School Americas e pr Discussão é sobre mercado de trabalho ofessor da PUC-SP
Discussão é sobre mercado de trabalho
O seguro-desemprego beneficia uma camada da população (trabalhadores formais que perderam o emprego) que não gera um buraco fiscal no país. Da força de trabalho ocupada, 40% são informais. O seguro-desemprego está longe de ser o grande problema estrutural ou fiscal da economia brasileira.
Não significa que não tenhamos que nos preocupar com essa questão, entrar em cada detalhe do gasto público. A discussão é como o governo pode ser mais eficiente gastando menos. Mas o que está se debatendo é sobre desemprego.
Como fazer para que o país não gaste desordenadamente com benefícios trabalhistas? A resposta é muito simples: temos que reduzir o desemprego. Ele tem caído, mas uma das explicações para isso é que os salários estão baixos. A renda caiu tanto que alguns setores perceberam que está barato contratar.
É uma boa notícia termos menos desemprego. Mas, na prática, o brasileiro está ficando mais pobre. Se temos que combater um problema econômico é esse: como reduzir a queda de renda e de qualidade de vida.
O seguro-desemprego é importante. Ele evita que as pessoas caiam de classe social. Ajuda a manter essas pessoas tomando leite, comendo pão, porque já não têm acesso a carne. É algo que mantém certa dignidade da população que perde renda, mesmo com distorções. E elas existem.
Tome o setor da construção civil. Nele, o seguro-desemprego é um capítulo à parte. É comum casos de ajudantes de pedreiros pedirem para que o registro em carteira seja feito dali a três meses, porque estão recebendo o seguro-desemprego.
Em troca oferecem ao empregador uma redução de salário. Se o dono da obra for alguém que não precise provar vínculo trabalhista, ele topa. E isso é uma distorção. Há outros setores onde isso acontece, como o de call centers.
O Auxílio Brasil, benefício semelhante ao seguro-desemprego, é que está mantendo a popularidade do atual presidente em patamar estável. Para quem está para trocar a CLT pelo CNPJ, numa camada de renda não tão elevada da população, ficar sem seguro-desemprego aparece como uma das preocupações. É um benefício que tem apelo político muito forte. Mexer nisso não é tão simples.
Sillas de Souza Cezar é professor de Economia na Fundação Armando Alvares Penteado (Faap)
Fonte: O GLOBO