Todos os ensinamentos que recebemos desde cedo – família, escola, amigos, religião – estimulam a investir nossa energia sexual em uma única pessoa. Mas não é o que acontece na prática. É bastante comum homens e mulheres casados compartilharem seu tempo e prazer com outros parceiros, geralmente, de forma secreta.
Entretanto, o modelo de relacionamento amoroso estável que conhecemos dá sinais de que será radicalmente modificado. A insatisfação na vida a dois da maioria dos casais impulsiona as mudanças. O que se discute no Ocidente é se a monogamia realmente é melhor que a não monogamia.
Ouvi no consultório o seguinte relato de uma mulher de 43 anos. “Sou mulher, independente, com dois casamentos na bagagem. Cansei do formato. Vou ter relações múltiplas. Estou ciente dos problemas de ordem preconceituosa que vou enfrentar. Acho que os da família – pai, mãe e irmãos – serão os piores, mas tenho uma filha que vai ter uma mãe com vários namorados simultâneos. Ela vai ter que se acostumar”
Muitos se chocam com esse relato. Trocar ideias a respeito da não monogamia é difícil; provoca a ira dos conservadores e preconceituosos e ataques de todos os tipos. Só será possível uma discussão isenta sobre o tema quando a exclusividade numa relação amorosa deixar de ser um imperativo. Quando analisamos o passado do amor, constatamos que os comportamentos amorosos e sexuais, e as expectativas em relação à própria vida a dois, são bem diferentes em cada período da História.
O poliamor, uma das formas de não monogamia, significa muitos amores e defende como modo de vida a possibilidade de estar envolvido em relações íntimas e profundas com várias pessoas ao mesmo tempo. Uma pessoa pode amar seu parceiro fixo e amar também as pessoas com quem tem relacionamentos extraconjugais ou até mesmo ter relacionamentos amorosos múltiplos em que há sentimento de amor recíproco entre todas as partes envolvidas. Um exemplo recente é o caso do modelo Arthur O Urso, casado com oito mulheres.
Fazer parte do processo em curso de mudança das mentalidades não é uma tarefa simples. São formas desconhecidas de viver o amor, que causam insegurança e medo. Entretanto, não há dúvida de que teremos melhor qualidade de vida com a percepção mais livre dos nossos desejos e dos desejos de nossos parceiros. Concordo com o psicoterapeuta Roberto Freire quando diz que o verdadeiro ato de amor é o que garante a quem amamos a liberdade de amar, além e apesar de nós e de nosso amor.
O futuro das relações amorosas exigirá mais capacidade de nos livrarmos do passado do que de nos acostumarmos com o novo presente. Casais poderão estar ligados por questões afetivas, profissionais ou mesmo familiares, sem que isso impeça que sua vida amorosa se multiplique com outros parceiros. A ideia de que um parceiro único deva satisfazer todos os aspectos da vida pode se tornar coisa do passado.
*Regina Navarro Lins é psicanalista e autora de 14 livros sobre relacionamento amoroso
Fonte: O GLOBO